segunda-feira, 24 de novembro de 2008

Ostra feliz não faz pérola


Meu pai olhou nos meus olhos cheios de dúvida e me disse com a voz doce e morna "Tenha paciência, filha. Ostra feliz não faz pérola."Era pequena, não entendi. Naquele momento e até o fim do nosso passeio de domingo a frase ficou martelando dentro de mim, fiquei tentando entender o que poderia significar, depois não dei mais bola, esqueci. Mas ficou arquivada dentro de mim esperando o momento certo para fazer sentido.As palavras do meu pai tem esse poder : de ser atemporáis e inesquecíveis.

Certo dia, em passeios solitários por uma livraria, como costumava fazer com meu pai, meu olhar curioso avistou a frase. Nos paqueramos por alguns instantes e logo o livro de Ruben Alves estava dançando em minhas mãos, revelando o que meu pai quis me dizer.Eu, ostra, animal manso, presa fácil, criei a concha dura dentro da qual vivo. Não me abro, há dor. Há um grão de areia.

Carrego esse grão com amor e fardo, desejando e negando a sensibilidade com a qual fui presenteada e amaldiçoada, pois nada mais difícil e delicioso que sentir em maior porporção.

Carrego meu grão. Ora arrasto com desprezo, ora envolvo com carinho. Guardo na concha para esconder, para proteger. Empurro, reclamo, mas não me desfaço, não quero.

Abro mão do sorriso constante. Prefiro dividi-lo com lágrimas sentidas e pensamentos sofridos, ganha mais valor.

Meu pesado grão! Gosto de tê-lo aqui. Doendo, coçando, mexendo, fabricando sempre mais uma pérola.

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